A histeria foi alimentada por meios de comunicação que priorizam o sensacionalismo em vez de reportagens imparciais…
Já faz mais de um ano que a União Europeia e o Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil) chegaram a um acordo comercial, encerrando vinte anos de negociações. Descrito como "histórico” Pelo ex-presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Junker, o acordo prevê o levantamento de 91% de direitos aduaneiros sobre as exportações europeias e 93% de direitos aduaneiros sobre as importações para a UE. Devido ao tamanho da área de livre comércio que cria (780 milhões de consumidores), este acordo é o acordo econômico mais significativo já negociado pela UE.
No entanto, uma questão continua a dividir os Estados-Membros: a floresta amazónica. Dois meses após o anúncio do acordo entre a UE e o Mercosul, os incêndios do verão de 2019 causaram, de fato, muita comoção. O presidente francês Emmanuel Macron reagiu imediatamente declarando que não assinaria o tratado “como está” – acusando Jair Bolsonaro de ter “mentido” sobre seus compromissos climáticos. Alguns dias antes, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, já havia avisou que a Irlanda se oporia ao tratado se o Brasil não intensificasse seus esforços para proteger a Amazônia. Um mês depois, os deputados austríacos votaram contra o acordo. Mais recentemente, em junho, os parlamentares holandeses também se opuseram ao acordo. A ratificação do tratado parece, portanto, estar em perigo real.
A rejeição por vários chefes de Estado e deputados nacionais de um tratado que levou vinte anos para ser negociado é uma resposta a uma inevitável histeria global. O curva das pesquisas do Google na Amazônia sugerem que o mundo descobriu em agosto de 2019 que havia uma temporada de incêndios.
Essa histeria foi alimentada por meios de comunicação que priorizam o sensacionalismo em vez de reportagens imparciais. Em agosto de 2019, a BBC manchete: 'Amazon dispara 84% em um ano', ignorando o fato de que as variações de ano para ano podem ser consideráveis e que o número de incêndios em 2018 foi escasso. A BBC até anexou um gráfico truncado ao artigo que obscurece a tendência subjacente.
De fato, se olharmos para os últimos 15 anos, a tendência é de queda, como o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (NISR) dados mostra claramente. Os incêndios de 2019 não foram excepcionais; o número total de incêndios foi apenas 7% superior à média dos últimos dez anos – a média dos últimos dez anos (2009-2019) é 25% inferior à média dos dez anos anteriores (1998-2008). O aumento de 7% é principalmente em 'mato seco e árvores derrubadas para gado', como aponta o ambientalista Michael Shellenberger em Forbes.
A mídia não é a única envolvida na manutenção de mitos sobre a Amazônia. Em agosto de 2019, o presidente Emmanuel Macron escreveu em um tuitar, “A Amazônia, o pulmão do nosso planeta que produz 20% do nosso oxigênio, está pegando fogo. Esta é uma crise internacional”. A ideia de que a Amazônia é “o pulmão do planeta” é recorrente. Curioso, Michael Shellenberger perguntou a Dan Nepstad, um especialista da Amazônia e principal autor do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC (Grupo de Trabalho II, Capítulo 4). Sua resposta foi clara: essa ideia não tem base científica. Embora seja verdade que as plantas produzem oxigênio, esse oxigênio é totalmente absorvido pelos organismos do solo amazônico. A contribuição líquida da floresta amazônica para a produção de 'nosso oxigênio' é, portanto, zero. Além disso, o ecossistema amazônico produz oxigênio e armazena carbono, assim como as fazendas de soja e as pastagens, lembra o especialista do IPCC.
Em 2020, a obsessão pela floresta amazônica não parece ter diminuído. Em agosto passado, o Le Parisien ainda trazia a manchete: “Incêndios na Amazônia: o verão mais catastrófico desde 2010”. Esta informação é totalmente irrelevante e engana o leitor:
- A temporada de incêndios ainda não acabou, então não adianta tirar conclusões precipitadas.
- Os dados já disponíveis para junho e julho não são particularmente preocupantes: o número de incêndios é mais ou menos igual à mediana.
- Mesmo que 2020 seja um ano excepcional, seria muito cedo para concluir que a tendência é realmente de alta.
- Como aponta o especialista do IPCC, muitas vezes é esquecido “que existem razões legítimas para pequenos agricultores usarem queimadas controladas para manter insetos e pragas sob controle”.
Em um declaração emitida em 17 de junho, várias centenas de ONGs exigiram o congelamento das negociações até que seja obtida uma garantia “de que nenhum produto brasileiro que cause aumento do desmatamento seja vendido na UE”. Mas isso é realmente razoável? Estamos falando do quarto da população brasileira que ainda está abaixo da linha da pobreza e está simplesmente tentando sair da pobreza plantando soja e criando gado. Que direito tem o Ocidente de impedir que o campo brasileiro se desenvolva da mesma forma que o europeu se desenvolveu séculos atrás? De fato, não esqueçamos que até o século 14 a Europa era 80% coberta de árvores – em comparação com 40% hoje, de acordo com Shellenberger em seu último livro Apocalypse Now.
Isso não significa que toda a Amazônia deva ser destruída. A questão nem é relevante. Como Nepstad nos lembra, 'apenas 3% da Amazônia é adequado para o cultivo de soja'. O desafio, porém, é fazer mais com menos. Nesse sentido, o Brasil se beneficia de uma tecnologia inexistente à época do desenvolvimento da agricultura européia: a engenharia genética. Com efeito, graças ao seu maior rendimento, em 2014, os OGM tornou possível usar 20 milhões de hectares a menos para produzir a mesma quantidade de alimentos e combustível – um pouco mais do que a área coberta pela floresta francesa.
Na Forbes, Dan Nepstad diz a Shellenberger que “o tweet de Macron teve o mesmo impacto na base eleitoral de Bolsonaro que o tweet de Hillary Clinton chamando o eleitorado de Trump de patético. Adiar a ratificação do tratado não é penalizar Bolsonaro; está recompensando-o. Por outro lado, a ratificação do tratado apoia as populações vulneráveis – não esqueçamos que pobreza mata mais do que o clima. Os benefícios para os consumidores europeus também seriam colossais. Então, o que estamos esperando?
Publicado originalmente aqui.